Neste post, reproduzimos um texto escrito pelo Dr. Charles Amaral de Oliveira para o blog Mundo Sem Dor. No texto, ele faz uma reflexão a respeito do uso de corticoides e do tratamento da dor atualmente.
Corticoide – é tudo igual?
“Acabo de ler a Super Interessante de março de 2015. Incentivado por pacientes que citaram a reportagem, li o artigo “A dor que não passa nunca”. Para quem não leu, resumidamente, é um relato da dor de uma paciente anônima, médica, que ao cair sentada três dias antes de sua formatura em 2010, fraturou o cóccix (último ossinho da coluna, próximo ao ânus) e que, na busca de um tratamento adequado, acabou com dores causadas pelos próprios tratamentos adotados.
A partir daí foi submetida a inúmeros procedimentos, desde ressecção do cóccix até implante de um eletrodo medular para um melhor controle da dor. O pior é que a expectativa dos melhores resultados não se concretizou e na reportagem acompanhamos a descrição do sofrimento dela, com dores 24 horas, 7 dias por semana, 365 dias no ano. Ao final, ela cita que seu diagnóstico atual de aracnoidite adesiva, uma inflamação de uma membrana que envolve a medula espinhal, e por aderir à medula espinhal, provavelmente seja o motivador de suas dores.
Prometo escrever brevemente um post sobre esta condição; mas, neste momento gostaria de tecer dois comentários sobre o que foi escrito, com o único propósito de levar informações aos meus leitores, sem querer julgar, pois não conheço o caso nem a paciente.
Na reportagem, há uma referência que tudo piorou com o uso de corticoide (um antiinflamatório) no espaço peridural, e que a partir desse momento, iniciou esse quadro de aracnoidite adesiva (uma inflamação de uma das membranas que envolve a medula espinhal). Isto é possível, principalmente quando injetado inadvertidamente no espaço subaracnoideo, porém esse fato tem uma ocorrência baixíssima e quando ocorre, não obrigatoriamente evolui para aracnoidite adesiva.
Agora, considere que a peridural com corticoide é o procedimento intervencionista mais realizado para o controle da dor no mundo. São milhares todos os dias. Hoje, à luz da ciência, o questionamento não é, usar corticoide ou não, e sim, qual o melhor corticoide a utilizar — particulado ou não particulado?
Isto me leva ao meu primeiro comentário: o paciente precisa estar ciente sobre os dois tipos de corticoide. Por exemplo, a metilprednisolona, corticoide particulado citado no procedimento submetido pela paciente da reportagem, possui partículas maiores que o diâmetro de pequenas artérias da coluna e, se injetado inadvertidamente nestas artérias, pode obstruí-las e causar consequências sérias. Em contrapartida, um corticoide não particulado como a dexametasona não apresenta tal risco de obstrução arterial, porém seu período de ação é menor e, portanto, tem menor eficácia. De uma forma geral, damos preferência para os corticóides particulados na coluna lombossacral e os não particulados nas demais.
Existem casos em que os benefícios sobrepõem os riscos. No ano passado, nós que trabalhamos no manejo da dor, testemunhamos o surgimento de casos de Síndrome Dolorosa Complexo Regional (SDCR) supostamente iniciados após a campanha de vacinação do HPV. Segundo os epidemiologistas, o benefício da vacinação em massa, com a possível diminuição na incidência do câncer de colo de útero, sobrepõe os riscos de alguns casos (trágicos por sinal!) da SDCR.
Quero dizer que as peridurais com corticóide, em mãos experientes e realizados sob visualização do intensificador de imagens, são procedimentos muito seguros mas não isentos de riscos, como em qualquer outro procedimento médico.
Meu outro comentário é que segundo a reportagem, a paciente preferiu não ser acompanhada por um psicólogo. Como muitas vezes já apontamos aqui no blog, dores crônicas levam ao sofrimento e uma expansão na intensidade da dor. Portanto, um acompanhamento psicológico com profissional experiente é fundamental para um melhor controle da dor, associado é claro, ao atendimento de outros profissionais que compõem a equipe multidisciplinar”.