É muito comum pessoas com dor crônica sentirem dificuldade de lembrar algumas coisas. Além disso, também não é raro apresentarem problemas para se concentrar, fazer mais de uma tarefa ao mesmo tempo e até de achar a palavra certa durante uma conversa. Sabem quando a palavra está na ponta da língua, mas não vem? No post de hoje, vamos entender melhor porque isso acontece.
Os problemas de memória e de concentração relacionados à dor crônica são chamados cientificamente de “comprometimentos cognitivos leves”. “Cognitivo” é o conceito usado para tudo que se relaciona ao pensamento. O termo “leve” não é para minimizar o quanto esses problemas incomodam, mas sim para marcar uma diferença em relação aos déficits cognitivos severos, como lesões cerebrais ou demência.
Em 2013, um artigo de meta análise teve como objetivo analisar o resultado de 24 estudos científicos que comparavam a memória de pessoas com e sem dor crônica. O artigo encontrou um déficit moderado consistente na “memória de trabalho” das pessoas com dor crônica.
Memória de trabalho se refere a habilidade de manter a informação na mente para fazer algo, como por exemplo ir até a cozinha, abrir a geladeira e pegar algo para comer. Outro exemplo da memória de trabalho acontece quando pedimos uma informação no trânsito e mantemos as instruções na mente enquanto nos dirigimos ao local desejado. A memória de trabalho envolve processos como memória de curto-prazo, atenção e processamento de informação. O estudo que citamos anteriormente identificou que pessoas com dor crônica têm resultados piores nos testes de memória de trabalho, em comparação às pessoas sem dor crônica.
Em um outro estudo, foram avaliadas 363 pessoas com dor crônica. Os autores identificaram que entre elas, as pessoas que apresentaram problemas de memória e concentração, também apresentaram maior sofrimento emocional e mais interferência nas atividades diárias.
A pergunta que fica é: por que essa relação existe? Na realidade, a dor crônica envolve mudanças importantes em diversas áreas do Sistema Nervoso, como o cérebro e a medula. Uma área cerebral que é bastante afetada na experiência de dor crônica é o hipocampo, que também é diretamente envolvido na memória. No entanto, o hipocampo não é o único responsável por esta relação: há outros mecanismos envolvidos. Um estudo da Universidade do Porto realizado com modelos animais de dor persistente, encontrou uma perturbação no fluxo de informação entre o córtex pré-frontal e o hipocampo – uma via muito importante para reter memórias temporárias.
Ainda há muito a se evoluir quanto ao entendimento das relações entre dor e memória. Um passo importante foi dado no sentido de encontrar cientificamente uma diferença significativa entre pessoas com e sem dores persistentes. Outra questão importante é discutirmos o que é possível fazer quanto a esse déficit. Esse é um assunto para um próximo post.
Para quem quiser acesso a algumas matérias e aos estudos originais citados nesse post, aí vão os links:
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/3170081
http://www.webmd.com/brain/news/20070523/chronic-pain-may-dim-memory